Tributação do auxílio educação: debate sobre a incidência previdenciária

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O mercado de trabalho precisa cada vez mais de trabalhadores qualificados — formação superior, pós-graduação, MBAs, ampla bagagem cultural, domínio em duas ou mais línguas estrangeiras, experiência no exterior. Atentas a esta necessária especialização, as empresas buscam qualificar e incentivar a qualificação de seus empregados, de forma a se fazerem mais competitivas em cenários de forte concorrência.

A CLT oferece ferramentas para tal qualificação. Uma das disposições é a possibilidade de suspender o contrato de trabalho, de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador (artigo 476-A, caput). Outra ferramenta é o auxílio educação, custeado pelo empregador, voltado a cursos profissionalizantes, técnicos, educacionais (inclusive, superiores) e linguísticos, nos termos do artigo 458, §2º, inciso II, da CLT — incluído pela Lei nº 10.243/01.

O auxílio educação, porém, possui repercussões distintas nas esferas trabalhista e previdenciária. À luz da legislação trabalhista, tal utilidade não possui natureza salarial e, por conseguinte, não constitui base de cálculo de encargos trabalhistas.

A natureza indenizatória do auxílio educação é chancelada pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho): “Todavia, a referida Lei [Lei nº 10.243/01] refletiu o posicionamento já adotado pela doutrina e jurisprudência prevalecente nos tribunais trabalhistas no sentido de que o auxílio-educação não detinha natureza salarial” [1].

Portanto, é possível inferir, à luz da CLT e do entendimento do TST, que “o artigo 458, §2°, da CLT prevê a natureza indenizatória de moradia, educação, transporte, saúde, seguro de vida” [2]. Em razão do caráter indenizatório (e não remuneratório), não integra o salário do empregado.

Já pela dicção do artigo 28, §9º, “t”, da Lei nº 8.212/91, com redação conferida pela Lei nº 12.513/11, entende-se que a não incidência de contribuições previdenciárias sobre o auxílio educação depende da observância, simultânea, de alguns critérios.

Pela letra da lei, para fins de não incidência daquelas contribuições, o valor deve ser relativo a plano educacional, ou bolsa de estudo, que vise à educação básica de empregados e seus dependentes e, desde que vinculada às atividades desenvolvidas pela empresa, ou à educação profissional e tecnológica de empregados, nos termos da lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e:

1) não seja utilizado em substituição de parcela salarial;
2) o valor mensal do plano educacional ou bolsa de estudo, considerado individualmente, não ultrapasse 5% da remuneração do segurado a que se destina ou o valor correspondente a uma vez e meia o valor do limite mínimo mensal do salário-de-contribuição, o que for maior.

Para a Receita Federal, o auxílio educação, desde que se adapte ao texto do §9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/91, não integra a base de cálculo para fins de incidência da contribuição previdenciária; do contrário, integrará a sua base de cálculo e, consequentemente, haverá a incidência da contribuição previdenciária. É o entendimento vinculante daquele órgão, expresso por meio da Solução de Consulta Cosit nº 188/14.

Desse modo, por não se amoldar às estritas previsões legais, a Receita entende que qualquer outra forma de auxílio educação, como aquela voltada ao custeio de determinados programas de graduação e pós-graduação, integra o salário de contribuição da CP. Cite-se, a título de exemplo, a também vinculante Solução de Consulta Cosit nº 286/18.

Para dar essa interpretação, a Receita parte da literalidade da legislação, já que a educação escolar, segundo a Lei nº 9.394/96, tem dois componentes: a educação básica e a educação superior. Todavia, quando a Lei nº 8.212/91 especifica objetivamente a primeira, promove a exclusão da segunda do seu campo de abrangência.

A Lei nº 9.394/96 identifica, além desses dois grandes grupos da educação escolar (a básica e a superior), também, a educação profissional. Nesse contexto, a “Educação Profissional Tecnológica de Graduação e Pós-graduação” é uma novidade introduzida na Lei nº 9.394/96 [3] pela Lei nº 11.741/08.

Para o Fisco, portanto, apenas o curso qualificado como educação profissional de nível superior, graduação e pós-graduação é passível de não integração ao salário de contribuição. A leitura da Receita é no sentido de que a educação superior, em sentido amplo, não se confunde com cursos de capacitação e qualificação profissional de nível superior, o que deve servir como base de entendimento para efeito de interpretação do alcance da alínea “t”, §9º, do artigo 28 da Lei nº 8.212/91.

Nessas condições, conclui que os gastos das empresas relativos à educação superior (graduação e pós-graduação) de seus empregados, de que tratam os artigos 43 a 45, da Lei nº 9.394/96, integram o salário de contribuição por se tratar de valores pagos a “qualquer título”, conforme previsto no inciso I do artigo 28 da Lei nº 8.212/91.

Ocorre que, a despeito dessa interpretação restritiva, entendemos que ela não está em consonância com as matrizes legais e constitucionais da base de incidência das contribuições previdenciárias. No plano legal, a Lei nº 8.212/91 instituiu a cobrança das contribuições previdenciárias devidas pela empresa, à alíquota de 20%, “(…) sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma (…)” (artigo 22, inciso I).

Segundo Carlos Henrique de Oliveira, “o dispositivo regulamentar acima transcrito, quando bem interpretado, já delimita o salário de contribuição de maneira definitiva, ao prescrever que é composto pela totalidade dos rendimentos pagos como retribuição do trabalho. É dizer: a base de cálculo do fato gerador tributário previdenciário — ou seja, o trabalho remunerado do empregado — é o total da sua remuneração pelo seu labor” [4].

Mais especificamente, para aquele autor [5], servem como base para incidência da contribuição previdenciária aquelas verbas pagas como retribuição ao trabalho ou que remuneram o trabalhador pela sua prestação de serviço, pelo seu tempo, por conta da interrupção do contrato de trabalho e ou que faça parte como ajuste habitual ou que tenha surgido por expectativa de recebimento.

Percebe-se, portanto, que não se amoldando aos conceitos acima, não deveria, qualquer espécie de auxílio educação que não seja utilizado em substituição de parcela salarial, ser considerado como base de cálculo das contribuições previdenciárias, ainda que a Receita faça uma leitura restritiva do §9º do artigo 28 da Lei nº 8.212/91, interpretando-o como rol taxativo de parcelas que não são consideradas integrantes do salário de contribuição. Essa posição equivocada é amplamente rechaçada pela doutrina e pela jurisprudência das Cortes Superiores, em vários casos concretos, não apenas pelas disposições da própria lei, como também pelos artigos 195, I, “a”, e 201, §11, da CF/88.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui entendimento semelhante ao da Justiça do Trabalho, no sentido da não incidência da contribuição previdenciária sobre tais rubricas por entender que “o auxílio-educação, embora contenha valor econômico, constitui investimento na qualificação de empregados, não podendo ser considerado como salário in natura, porquanto não retribui o trabalho efetivo, não integrando, desse modo, a remuneração do empregado. É verba utilizada para o trabalho, e não pelo trabalho” [6].

Reforçamos que, em nossa opinião, considerando o arcabouço normativo e jurisprudencial sobre a matéria, essas contribuições não podem incidir sobre o pagamento de auxílio educação de qualquer natureza, ainda que não esse auxílio não seja categorizado, na lei de diretrizes e bases da educação, como “educação profissional”.

Ademais, se os atributos proporcionados aos empregados das empresas, sob a forma de oportunidades educacionais, são categorizados como benefícios não salariais pela própria CLT, torna-se inviável que as autoridades fiscais adotem uma interpretação da legislação tributária que os enquadre como “salário-utilidade”, conferindo-lhes a natureza de compensação pecuniária, sujeita à incidência daquelas contribuições.

A educação, como um todo, em todos os seus níveis e modalidades, promove a capacitação e qualificação profissional. Ainda que os cursos profissionalizantes sejam dotados de conteúdos mais práticos e direcionados a segmentos específicos do mercado de trabalho, não apenas eles merecem exclusão da base de cálculo das contribuições previdenciárias.

Em um cenário em que a capacitação contínua se tornou uma peça fundamental para o crescimento e desenvolvimento tanto dos indivíduos quanto das organizações, é imperativo reconhecer o valor intrínseco de promover oportunidades educacionais aos trabalhadores. Ao não tributar o auxílio educação para fins de contribuição previdenciária, não apenas estaremos em conformidade com o texto constitucional e legal, como também incentivamos o aprimoramento profissional [7] e fortalecemos o ambiente de negócios ao permitir que as empresas canalizem recursos significativos para a formação de um quadro de empregados altamente qualificado, contribuindo assim para o progresso econômico e social do país.

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[1] (Ag-RR-2100-87.2000.5.01.0061, 7ª Turma, relator ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 12/04/2019).
[2] (ARR-2367-78.2014.5.02.0081, 6ª Turma, relatora ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 08/11/2019).
[3] Inciso III, §2º, artigo 39 da Lei nº 9.394/1996.
[4] OLIVEIRA, Carlos Henrique de. Contribuições Previdenciárias e Tributação na Saúde “in” HARET, Florence; MENDES, Guilherme Adolfo. Tributação da Saúde, Ribeirão Preto: Edições Altai, 2013. p. 234.
[5] In: Temas atuais de tributação previdenciária. São Paulo: Abat, 2017.
[6] (REsp n. 1.666.066/SP, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/6/2017, DJe de 30/6/2017.) No mesmo sentido: (AgInt no REsp nº 1.962.735/SP, relator ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 19/9/2022, DJe de 21/9/2022); (AgInt no REsp nº 2.000.569/CE, relatora ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 19/9/2022, DJe de 23/9/2022); (AgInt no REsp 1.602.619/SE, relator ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 19/3/2019, DJe 26/3/2019); (REsp 1.660.784/RS, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/5/2017, DJe 20/6/2017); (REsp 1.586.940/RS, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10/5/2016, DJe 24/5/2016).
[7] Nesse sentido, Sérgio Pinto Martins: “Muitas das utilidades não deveriam ter natureza salarial. Isso permitiria que o empregador concedesse as utilidades e não tivesse preocupação com repercussões, como reflexos em férias e 13º salário, incidência de contribuição previdenciária e do FGTS. A consequência é que o empregador irá conceder a utilidade, permitindo que o empregado a usufrua, sem ter de pagar por ela. Quando a lei considera que a utilidade é salário, a maioria dos empregadores não a fornece. Em contrapartida, o empregado não usufrui da utilidade. Essa situação é muito pior para o empregado”. (MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 421-422).

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 é advogado em Mannrich e Vasconcelos Advogados e pós-graduado em Direito Societário pelo Insper.
 é advogado sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos.
Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2023, 15h21