“Revisão da vida toda”: voto de Rosa Weber recompensa desídia do INSS

“Revisão da vida toda”: voto de Rosa Weber recompensa desídia do INSS

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No último dia 21, findou-se a pauta de julgamento do Tema nº 1.102 (“revisão da vida toda”) do Supremo Tribunal Federal, quando o ministro Cristiano Zanin requereu vista e possui prazo de 90 dias corridos para devolver os autos, sendo importante rememorar que, com ou sem o seu voto, o julgamento será retomado após o decurso deste interregno.

Em razão da proximidade de sua aposentadoria, a presidente do Pretório Excelso, ministra Rosa Weber, mais uma vez, cumprindo seu dever republicano e de cordialidade que lhe é presente, antecipou sua decisão e divergiu em parte do voto-condutor proferido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Diga-se de passagem, o voto proferido pela ministra esclarece vários pontos obscuros das questões tratadas e aperfeiçoa o voto do ministro Moraes, divergindo, no entanto, quanto ao termo inicial para o pagamento dos atrasados.

Em seu entendimento, a ministra esclarece que, por razões de segurança jurídica, os jurisdicionados que ingressaram com a ação antes de 26/09/2019 (data do início do julgamento de mérito do REsp 1.554.596/SC — Tema nº 999 do STJ), receberão as parcelas quinquenais ao ajuizamento. Aos que propuseram as ações após a referida data, receberão somente a partir de 17/12/2019 (data em que o acórdão foi publicado pelo STJ).

Segundo a ministra, a alteração jurisprudencial que autoriza a modulação ocorreu apenas no STJ (Superior Tribunal de Justiça), e não no STF, daí sua delimitação quanto ao marco temporal.

Ocorre, contudo, que a ministra, acidentalmente e com todo o respeito que ela merece, acaba violando a isonomia e, além de distorcer os mais comezinhos princípios do Direito Previdenciário, acaba recompensando a antijuridicidade cometida pelo INSS ao longo de duas décadas.

É importante mencionar que, embora tenha se posicionado de forma favorável, a ministra se esqueceu da vontade do legislador ao autorizar a aplicação da regra permanente (artigo 29, I e II da Lei nº 8.213/91) em detrimento à regra de transição do artigo 3º da Lei nº 9.876/99. Em virtude da alteração radical na forma de cálculo dos benefícios, o legislativo considerou a necessidade de se evitar prejuízos aos segurados que já eram filiados à previdência — com largo período básico de cálculo — e introduziu a regra transitória para proteger os trabalhadores que já estavam próximos da aposentadoria (e, evidentemente, poderiam ter seus benefícios reduzidos pelas novas alterações nas formas de cálculo, fixando a competência de julho de 1994 para a utilização dos salários contributivos).

O caráter de transitoriedade da norma mencionada acima (artigo 3º da Lei nº 9.876/99) é patente, pois o próprio artigo considera a limitação temporal e reconhece a perda de sua utilidade no momento em que os segurados filiados ao RGPS antes da edição da referida Lei deixarem de existir.

É ainda, em decorrência do caráter transitório, que não poderia o artigo 3º da Lei nº 9.876/1999 ser interpretado de modo a prejudicar segurados que já possuíam duradoura e regular trajetória contributiva antes de sua edição, devendo ser facultado ao segurado a escolha pela aplicação da norma que lhe é mais vantajosa (no caso, a regra permanente) — trata-se daquilo que denominamos de “princípio do direito ao melhor benefício”.

Nessa toada, reconhecendo a possibilidade do segurado que tenha ingressado no RGPS em momento anterior à edição da Lei nº 9.876/99 optar pela aplicação da regra permanente do artigo 29, I da Lei da 8.213/99, o STJ firmou sua tese sob o manto dos recursos repetitivos, por ocasião do deslinde do Tema nº 999 (onde se reconheceu o direito integral dos segurados).

Visando fulminar toda e qualquer controvérsia, o STF seguiu o mesmo entendimento do STJ (afinal, não há outra alternativa, é um direito assegurado por lei dos aposentados) e julgou pela aplicação da regra permanente discutida, quando mais favorável que a regra transitória. Noutros termos, mais uma vez, a metodologia de cálculo do artigo 29 da Lei nº 8.213/91 foi chancelada, porquanto em Plenário prevaleceu o entendimento de que, havendo prejuízos para o segurado, é possível afastar a regra de transição introduzida pela Lei que exclui as contribuições anteriores a julho de 1994.

No entanto, estamos diante de um verdadeiro imbróglio em que o INSS, mais uma vez, pretende lucrar em cima da parte mais frágil (não estão tirando de ricos, mas de pessoas idosas que passam extremas necessidades em virtude de idade avançada, onde há elevados gastos com medicamentos e tratamentos para assegurar o mínimo de qualidade em suas vidas), pois abafou de forma sorrateira o direito assegurado pelo Legislativo durante duas décadas e ainda provoca danos marginais nos processos até o presente momento (praticando atos meramente protelatórios e induzindo os julgadores ao erro com dados falsos, sem qualquer tipo de punição).

A covardia da autarquia pode estar sendo premiada, agora, com uma modulação dos efeitos financeiros, sendo que a presente revisão já nasce modulada por conta da prescrição e decadência. Muitos (para não dizer a maioria) dos aposentados já estão no prejuízo — seja por não poder ingressar com a ação em razão da decadência ou por conta da própria prescrição — e, modular fixando o marco temporal dessa forma (com pagamento dos atrasados somente a partir da publicação do acórdão) aumentará ainda mais os prejuízos aos segurados.

A segurança jurídica está começando a ser esquecida, não pode o Supremo permitir ser induzido por inverdades da autarquia e desviar-se de seu foco de resguardar o bem maior: a Constituição. Estamos tratando do beabá, a regra já passou pelo legislativo, a interpretação é mais do que adequada, não há sentido em restringir ainda mais o direito dos jurisdicionados que, diga-se de passagem, são pessoas idosas e que foram demasiadamente prejudicadas pelo próprio órgão que jurou protegê-las na idade avançada. Permitir que isso aconteça aumentará ainda mais o descrédito que a autarquia já possui, esse é o tipo de conduta que, cada vez mais, desestimulará todas as gerações supervenientes a não confiarem no Estado democrático de Direito. Isso, aliás, afeta a própria segurança jurídica “defendida” na modulação proposta pela eminente ministra.

Ainda restam nove ministros para votar, estamos confiantes de que os remanescentes honrarão a Casa e não permitirão quaisquer prejuízos aos trabalhadores/segurados.

 é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2023, 6h37

 

“Revisão da vida toda” e a modulação dos efeitos da decisão do STF

O julgamento da “revisão da vida toda” se encaminha para um desfecho positivo para os aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Na última semana, o ministro Alexandre de Moraes votou no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal sobre as modulações dos efeitos da decisão que deu vitória aos segurados da autarquia federal em dezembro de 2022.

Ao julgar os embargos de declaração, recurso utilizado pelo INSS para não realizar os pagamentos devidos, Alexandre de Moraes considerou que os benefícios extintos não podem ser revistos, e garantiu os atrasados dos últimos cinco anos para quem tem o direito e está aguardando a sua ação, e também para os que ainda não ajuizaram o processo.

Importante esclarecer que a expressão “benefícios extintos” no voto do ministro Alexandre refere-se aos benefícios temporários cessados e extintos sem benefício derivado, no caso, pensionistas. Assim, quanto a pensão por morte, vedou apenas revisão de diferenças por sucessor não pensionista.

Seu voto trouxe modulação temporal a partir de 1 de dezembro de 2022 para as ações que transitaram em julgado na Justiça, protegendo o acesso ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.

Ou seja, mesmo os benefícios que ainda não transitaram em julgado e que estejam dentro do prazo decadencial ou rescisório, o ministro admitiu a revisão desses benefícios, com retroativos, desde a mudança de tese no STF, flexibilizou a coisa julgada.

Benefícios de processos pendentes, sem trânsito em julgado, e ações a serem ajuizadas, ainda que derivados de outro benefício (pensão por morte), não foram objeto da modulação.

Vale lembrar que, por maioria de seis votos a cinco, a tese definida pelos ministros no ano passado afirma que “o segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável”.

O voto do ministro Alexandre de Moraes demonstrou que ele é um grande defensor da justiça social e preceitos constitucionais. A “revisão da vida toda” é uma ação judicial de exceção, na qual os segurados podem pedir a correção do benefício para incluir, no cálculo, contribuições feitas antes de 1994, beneficiando quem tinha pagamentos maiores antes do início do Plano Real. E conforme dados de agosto de 2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) existem apenas 24.700 processos em todo país, demonstrando que o INSS trouxe dados irreais sobre o alcance da ação. Agora, é aguardar a posição dos demais ministros para esclarecer as modulações para o pagamento das revisões.

 é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 14 de agosto de 2023, 18h19