Periculosidade em razão da quantidade de combustível de consumo do caminhão

Periculosidade em razão da quantidade de combustível de consumo do caminhão

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O transporte rodoviário de cargas no Brasil é um setor de extrema importância, havendo mais de 3,5 milhões de caminhões em circulação no país e cerca de 75% de todas as mercadorias que são movimentadas pelo território brasileiro utilizam o modal rodoviário.

Há de se mencionar que os veículos de carga de grande porte são equipados com tanques de combustíveis com capacidade superior a 200 litros. Isso se faz necessário para que tenham uma autonomia razoável, possibilitando que o veículo chegue a seu destino ou a um ponto de parada e descanso.

Nesse contexto, tema ainda controvertido no Direito do Trabalho é quanto a (in)existência de labor em condições periculosas por motoristas empregados, que conduzem veículos com dois tanques de combustíveis, com capacidade superior a 200 litros.

O trabalho em condições periculosas gera o direito ao empregado de perceber adicional de 30% sobre o seu salário, nos termos do artigo 193, §1º, da CLT. E, conforme o caput do artigo 193, da CLT, as atividades ou operações periculosas serão definidas em regulamentação do Ministério do Trabalho e Emprego (atualmente Ministério do Trabalho e Previdência).

Assim, a regulamentação ficou a cargo da Norma Regulamentadora 16, que define as atividades ou operações periculosas, de forma que somente essas geram o direito do trabalhador receber adicional de periculosidade.

Visto isso, o item 16.6 da referida Norma Regulamentadora dispõe que:

“As operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, em quaisquer vasilhames e a granel, são consideradas em condições de periculosidade, exclusão para o transporte em pequenas quantidades, até o limite de 200 litros para os inflamáveis líquidos e 135 quilos para os inflamáveis gasosos liquefeitos.”

Isto é, transportar inflamáveis em quantidade superior a 200 litros é considerada atividade periculosa, de forma que o trabalhador tem o direito de perceber o adicional correspondente.

Por outro lado, o item 16.6.1 dessa Norma Regulamentadora determina que:

As quantidades de inflamáveis, contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos, não serão consideradas para efeito desta Norma.

Portanto, não é devido adicional de periculosidade ao motorista empregado quando o veículo contenha em seu tanque quantidade superior a 200 litros de combustível, por ser para consumo próprio.

A controvérsia ocorre quando o veículo dispõe de um segundo tanque de combustível. Os motoristas entendiam que a disposição do item 16.6.1 da NR 16 não se aplicava ao segundo tanque de combustível do veículo, de forma que se contivesse quantidade superior a 200 litros ensejaria o pagamento de adicional de periculosidade.

Nesse sentido posicionou-se o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, nos termos da jurisprudência colacionada a seguir:

“RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. TANQUE EXTRA. INFLAMÁVEL. A Corte Regional esclareceu que o reclamante dirigia caminhão marca IVECO, modelo Strolis, 460 traçado de 3 eixos, com tanque de 900 litros (um tanque de 600 litros e um tanque de 300 litros), sendo ambos originais de fábrica e para consumo próprio, razão pela qual entendeu que o reclamante não fazia jus ao adicional pretendido. Ocorre que, de acordo com o entendimento da SBDI-1, o empregado que transporte veículo com tanque suplementar de combustível, mesmo que para consumo próprio, em quantidade superior a 200 litros, tem direito ao adicional de periculosidade. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido”. (RR – 5074.2015.5.04.0871, relatora ministra: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 28/02/2018, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/03/2018).

Com isso, em dezembro de 2019, pela Portaria SEPRT nº 1.357, foi incluído o item 16.6.1.1 na NR 16, dispondo o seguinte:

Não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente.

À princípio, estaria solucionada a questão, já que fixa que as quantidades de combustíveis contidas nos tanques do veículo, mesmo que suplementares, não configuram trabalho em condições periculosas.

A jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, confirma esse entendimento:

“RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. PERICULOSIDADE. CAMINHÃO. TANQUE SUPLEMENTAR. MOTORISTA. O item 16.6.1 da NR-16 já previa que as quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos não serão consideradas para efeitos de enquadramento do trabalho como periculoso. E o item 16.6.1.1, recentemente incluído na NR 16 pela Portaria SEPRT 1.357, de 09.12.2019, dispõe que não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas em tanques de combustível certificados pelo órgão competente. Caso em que os tanques suplementares dos veículos conduzidos pelo reclamante são certificados e regulamentados, e o combustível contido nos referidos tanques se destinava ao próprio consumo do veículo, o que afasta condição de periculosidade. Recurso provido no aspecto”. (TRT da 4ª Região, 7ª Turma, 0020770-97.2019.5.04.0523 ROT, em 11/11/2021, desembargador Wilson Carvalho Dias — Relator).

Inobstante, o Tribunal Superior do Trabalho, sem rever seu posicionamento, ainda profere decisões em sentido contrário, como segue:

“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual foi rejeitada a arguição de nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, uma vez que a Corte de origem explicitou, de forma clara e completa, as razões pelas quais reformou a sentença para condenar a reclamada ao pagamento de adicional de periculosidade. O fato de o Tribunal de origem não ter decidido conforme as pretensões da agravante não constitui negativa de prestação jurisdicional. Agravo desprovido. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. TANQUES ORIGINAIS DE FÁBRICA EXISTENTES NO PRÓPRIO VEÍCULO COM CAPACIDADE DE 440 LITROS CADA. TRANSPORTE DE COMBUSTÍVEL. ADICIONAL DEVIDO. Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática. A jurisprudência desta Corte adota o entendimento de que a utilização de tanque de combustível suplementar com capacidade superior a 200 litros enseja o pagamento do respectivo adicional de periculosidade não importando se originais ou adaptados. O adicional de periculosidade é devido em razão de o veículo possuir um segundo tanque, extra ou reserva, com capacidade superior a 200 litros, ainda que para consumo próprio , pois o que submete o motorista à situação de risco é a capacidade volumétrica total do tanque, acima de 200 litros, nos termos do artigo 193, inciso I, da CLT e do item 16.6 da NR — 16 do MTE. Agravo desprovido”. (Ag-AIRR-10738-76.2020.5.15.0075, 3ª Turma, relator ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 07/10/2022).

Diante do exposto, vislumbra-se, ainda, uma controvérsia sobre a (in)existência de labor em condições periculosas por motoristas empregados, que conduzem veículos com dois tanques de combustíveis.

Com o devido acatamento e respeito ao TST, instituição de grande prestígio, no meu modesto entendimento, amparado no item 16.6.1.1, recentemente incluído na NR 16; e na jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, as quantidades de combustíveis contidas nos tanques suplementares originais de fábrica do veículo não acarretam a periculosidade do trabalho do motorista empregado.

 é advogado, integrante do escritório Hartwig Advocacia, especialista em advocacia trabalhista patronal, pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela PUC-RS e membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB Pelotas (RS).
Revista Consultor Jurídico, 19 de outubro de 2022, 14h03