O STF deve acolher a revisão do FGTS

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Desde logo, em se tratando de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), é preciso esclarecer que não há novidade jurídica neste tema, porque a jurisprudência da corte já está consolidada há vários anos no sentido de que a taxa referencial (TR) de juros não é equivalente a um índice de correção monetária, e a ação da revisão do FGTS tem como base justamente o mesmo raciocínio.

Ou seja, adota o fundamento vencedor de outras Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade, como é o caso das ADIs 4357 e 4425, que decidiram a correção dos precatórios desde março de 2013, o RE 870.947, que trata de débitos da Fazenda Pública, desde setembro de 2017, e das ADIs 6021 e 5867, referente à correção dos débitos trabalhistas na recente reforma, de outubro de 2021, todas considerando a TR inconstitucional na função de correção monetária.  

O raciocínio do STF é simples e estruturalmente inabalável: a TR é uma taxa de juros, que representa a expectativa de inflação, e não um índice que tenha sido aferido a partir da desvalorização real da moeda. Ficar além, aquém ou empatar com o índice de inflação é coincidência apenas, pois a TR não é feita para recompor a inflação nem tem esta finalidade.  

O embate acontece em outro campo, menos lógico e muito menos ético, no sentido moral e republicano: a oposição a este julgamento usa o escudo surrado da conhecida retórica da governabilidade e do equilíbrio econômico do FGTS. É que, em teoria, o julgamento desta ADI 5090 pautado para o próximo dia 20 de abril tem o potencial de modificar 207 milhões de contas ativas e inativas de FGTS, e mais de 70 milhões de pessoas, e é de longe a ação que mais pode beneficiar trabalhadores no Brasil. São números, por um lado, atraentes para os trabalhadores, que teoricamente teriam recomposto seu capital confiscado a conta-gotas nos últimos 20 anos, mas provavelmente irreais.  

Mas esta quantidade de contas e de pessoas beneficiadas é mais teórica do que realista, por causa da quase certa modulação da declaração de inconstitucionalidade. Provavelmente a correção monetária será concedida para o futuro, ressalvadas as ações já propostas e suspensas por decisão liminar do ministro relator, Luís Roberto Barroso. 

Por este motivo, a previsão de 2019 da Advocacia-Geral da União (AGU), que estimou acima de R$ 300 bilhões o valor total de ressarcimento, também é, na prática, um argumento de terror e arauto do catastrofismo, porque a expectativa de que o STF conceda irrestrita e retroativamente esta correção é remota.  

Não é surpresa, aliás, que o Estado utilize esta narrativa apocalíptica, porque, no plano ético, da moralidade pública, a inconstitucionalidade é mais manifesta: o FGTS é patrimônio do trabalhador, um direito trabalhista reconhecido na Constituição e compulsoriamente depositado na Caixa Econômica Federal para não só ser o único pecúlio do trabalhador, e sua singular proteção contra o desemprego.  

O trabalhador, tendo parte de sua remuneração retirada de sua disponibilidade – porque o FGTS é salário diferido – não pode receber menos do que foi depositado sem que ele pudesse escolher como e onde. Reajustar o FGTS abaixo da inflação, como tem sido o resultado da TR por décadas, constitui um verdadeiro confisco.  

Além disso, no plano econômico, o robustecimento do FGTS enquanto grande fundo de investimento em habitação e infraestrutura promoveria a atividade econômica da cadeia de construção civil, que é gerador de emprego e renda, e promoveria a recomposição, ou a minimização, do déficit social de habitação e saneamento. 

A retórica da catástrofe, portanto, além de tudo, é míope. O STF deve manter a sua jurisprudência e corrigir esta distorção histórica contra os trabalhadores. 

Fonte: Jota, em 28/03/2023