“Negociado sobre o legislado” pode levar o Brasil ao banco dos réus da OIT

“Negociado sobre o legislado” pode levar o Brasil ao banco dos réus da OIT

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Desde a publicação da Lei nº 13.467/17, a denominada reforma trabalhista, que em seu conjunto representa o resultado de um processo assoberbado, sem diálogo social e em direta afronta aos princípios do Direito do Trabalho, o Brasil vem sendo denunciado na Organização Internacional do Trabalho (OIT) por violação à Convenção nº 98, que protege o direito de sindicalização e de negociação coletiva. 

O que ficou conhecido como “negociado sobre o legislado”, na forma dos artigos 611-A e 611-B, da CLT, prevê que a negociação coletiva possa derrubar direitos previstos na legislação trabalhista, à exceção daqueles previstos na Constituição. A matéria foi levada ao Comitê de Peritos da OIT, órgão responsável por realizar regularmente a supervisão das normas internacionais do trabalho. 

Em 2018, o Comitê de Peritos externou sua preocupação com relação à matéria e solicitou ao governo a revisão dos dispositivos, com o fim de trazê-los à conformidade com os termos do artigo 4º da Convenção nº 98. 

No mesmo ano, o Brasil foi enquadrado na chamada lista curta da Comissão de Aplicação de Normas da Conferência Internacional do Trabalho, uma espécie de banco dos réus da OIT, que leva os Estados que não cumprem as Convenções da organização a responderem perante a comunidade internacional com relação às mais graves violações relatadas.

Em 2019, o Brasil foi novamente enquadrado na lista curta de casos mais graves e o “negociado sobre o legislado” foi mais uma vez tema de debate. O Comitê de Peritos apontou que a previsão de derrubada de dispositivos da legislação trabalhista, com a única exceção de direitos constitucionais, é contrária ao princípio da promoção da negociação livre e voluntária. 

No âmbito interno, porém, em vez de abrir um processo de diálogo social para a revogação dos dispositivos, o Brasil chancelou essa prática por meio de decisão do Supremo Tribunal Federal, que, em junho de 2022, fixou o entendimento de que é válida norma coletiva que restringe direito trabalhista, salvo se absolutamente indisponível, independentemente de explicitação de vantagens compensatórias.

O ano de 2023 traz o tema mais uma vez para o centro do debate, na medida em que o governo, os empregadores e os trabalhadores têm o prazo até 1º de setembro para apresentar um relatório à OIT a respeito do cumprimento das recomendações com relação à Convenção nº 98, em particular sobre o “negociado sobre o legislado”. 

Caso não revogue os dispositivos não convencionais até a próxima Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 2024, é provável que o Brasil seja novamente chamado a sentar no banco dos réus da OIT e a responder perante a comunidade internacional. 

É um constrangimento internacional que continue a vigorar no Brasil um dispositivo que vai frontalmente de encontro aos Tratados Internacionais que protegem a negociação coletiva. Espera-se que o novo governo possa imprimir esforços para colocar o Brasil em conformidade com o Direito Internacional do Trabalho, o que passa, necessariamente, pela revogação da Lei nº 13.467/17, em particular dos dispositivos que permitem a prevalência do negociado sobre o legislado.

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 é sócio da LBS Advogadas e Advogados, formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo e mestre cum laude em Direito Internacional e Europeu dos Direitos Humanos pela Universidade de Leiden.
Revista Consultor Jurídico, 6 de agosto de 2023, 9h22