Necessária valorização da autonomia coletiva pelo Poder Judiciário

Necessária valorização da autonomia coletiva pelo Poder Judiciário

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A negociação coletiva é um dos institutos mais relevantes para a evolução das relações de trabalho. Possui fundamental e histórico papel de conformar ordenamento autônomo, criativo e dinâmico, que acompanha as reivindicações e as necessidades de cada categoria.

Existem regras constitucionais vigentes claras com relação à autonomia coletiva. O artigo 8º da Carta confere aos sindicatos a liberdade de organização, de atuação e garante a ausência de interferência estatal. O artigo 7º deixa expresso que o reconhecimento das negociações coletivas é legítimo direito do trabalhador e elenca expressamente a negociação coletiva como exceção à garantia da irredutibilidade salarial.

Não obstante essas garantias, instrumentos livremente pactuados são, não raro, objeto de anulação pelo Judiciário trabalhista, numa perspectiva intervencionista e restritiva da amplitude do que pode ser objeto da avença coletiva. Isso se deve em grande medida à consolidação de visões e valores específicos [1] e à fluidez que o ordenamento jurídico propicia.

Esse caráter interventivo merece reavaliação notadamente após as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 590415/SC e, mais recentemente, no ARE 1121633/GO e na ADPF 323. Aquela Corte reconheceu a validade de normas coletivas em face do ordenamento jurídico ordinário, enfatizando seu caráter dinâmico e determinado. Essas decisões têm papel relevantíssimo ao afirmar os parâmetros para a excepcional e pontual anulação e intervenção nos instrumentos negociados (o conceito de indisponibilidade de direitos).

A Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), que teve sua vigência iniciada em novembro de 2017, também avançou nesse sentido, inserindo artigos (611-A; 611-B e 614, §3º) à Consolidação das Leis do Trabalho que seguem a mesma linha das premissas constitucionais reconhecidas: a liberdade do negociar coletivo, os limites nas previsões constitucionais (e não no ordenamento ordinário) e sua duração determinada.

Numa perspectiva democrática, é preciso retomar, na atividade judicial de interpretar as leis, os parâmetros legítimos contidos na Constituição. Em que pese o sedutor argumento de que os integrantes do Poder Judiciário saberiam de forma mais técnica e adequada o que se deveria aplicar ou não à determinada realidade social, escolha política diversa já foi tomada com a Constituição de 1988.

A decisão judicial ativista torna-se ainda mais negativa se considerarmos, na perspectiva deste artigo, os direitos coletivos do trabalho. Nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento, o interesse coletivo não é público, é privado e ao sindicato cabe a sua defesa [2]. Não é razoável manter-se (diante de todo o sistema constitucional já posto) uma perspectiva judicial de intervenção e tutela de interesses que devem ser definidos e defendidos por seus titulares (diretamente ou por meio de seus representantes).

A ideia de que disposições reputadas não benéficas (isoladamente) devem sempre ser anuladas pelo Poder Judiciário não contribui para a evolução e o amadurecimento do debate social e da participação da categoria no desenvolvimento de suas próprias pautas [3]. A certeza da tutela judicial favorável induz à inação dos sindicatos profissionais supostamente beneficiados e à desconfiança dos sindicatos da categoria econômica (e os próprios empregadores), colaborando para o enfraquecimento do sistema sindical e de sua representatividade [4].

Nesse contexto, é imperioso que se supere a noção de que a Justiça do Trabalho desempenha adequadamente seu papel quando reiteradamente valora e anula disposições coletivas. É preciso que o exercício do intérprete julgador não se atenha à mera alegação de violação a princípios inespecíficos, ou de suposto prejuízo a uma das partes, mas dedique-se ao estabelecimento do que é de fato indisponível (baseando-se no rol de direitos constitucionais) e ao reconhecimento da autonomia coletiva.

Por outro lado, cabe aos atores sociais competentes, num exercício de diálogo e composição, consolidar os avanços trazidos pela jurisprudência constitucional. Mesmo diante dos atuais entraves à composição coletiva, relacionados à receita das entidades sindicais e ao estabelecimento de contribuições ou taxas nos instrumentos coletivos (tema que mereceria estudo próprio), é preciso que se abram os espaços de diálogo, num esforço inclusive de fomentar o engajamento, o associativismo e a construção de pautas mais complexas, aderentes às demandas do futuro do trabalho.

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[1] Sobre o ponto, cite-se trecho do voto do ministro Gilmar Mendes, relator da ADPF 323: “(…) decanta-se casuisticamente um dispositivo constitucional até o ponto que dele consiga ser extraído entendimento que se pretende utilizar em favor de determinada categoria”. (ADPF 323, relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 14-09-2022 PUBLIC 15-09-2022).
[2] “(…) [o sindicalismo] é um componente indispensável do Estado de Direito e uma instituição que se encontra diante de um desafio provocado pelas enormes transformações pelas quais passam as relações de trabalho. Uma democracia é adulta quando tem condições de preservar a liberdade sindical, princípio maior da teoria da organização sindical, fruto de longa evolução das ideias e das estruturas sociais e políticas, cujas origens remotas são encontradas nas corporações de ofício medievais”. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. op. cit., p. 58.
[3] Cito trecho do voto do relator, ministro Luiz Roberto Barroso no RE 590415/SC: “A negociação coletiva é uma forma de superação de conflito que desempenha função política e social de grande relevância. De fato, ao incentivar o diálogo, ela tem uma atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho e possibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão, garantindo aos empregados um sentimento de valor e de participação. É importante como experiência de autogoverno, como processo de autocompreensão e como exercício da habilidade e do poder de influenciar a vida no trabalho e fora do trabalho. É, portanto, um mecanismo de consolidação da democracia e de consecução autônoma da paz social”.
[4] No ponto, sobre o dinamismo e o necessário equilíbrio da negociação coletiva, cite-se trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes, relator da ADPF 323, disponibilizado quando do julgamento no Plenário Virtual: “da jurisprudência trabalhista, constata-se que empregadores precisam seguir honrando benefícios acordados, sem muitas vezes, contudo, obter o devido contrabalanceamento. Ora, se acordos e convenções coletivas são firmados após amplas negociações e mútuas concessões, parece evidente que as vantagens que a Justiça Trabalhista pretende ver incorporadas ao contrato individual de trabalho certamente têm como base prestações sinalagmáticas acordadas com o empregador. Essa é, afinal, a essência da negociação trabalhista. Soa estranho, desse modo, que apenas um lado da relação continue a ser responsável pelos compromissos antes assumidos — ressalte-se, em processo negocial de concessões mútuas”. (ADPF 323, relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 14-09-2022  PUBLIC 15-09-2022).
 é advogada da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Revista Consultor Jurídico, 11 de dezembro de 2022, 6h39

WD ADVOCACIA

O PDV tem que estar regulamentado (previsto) em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho e em instrumento particular de adesão ao PDV, cumulativamente.

O PDV regulamentado somente pela empresa, não permite seja conferida a quitação geral.

Portanto, não é qualquer PDV que importa em quitação geral. Como decidido pelo STF, faz-se necessário que referida condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados pelo empregado.

RE 590415/SC

DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA
INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado
em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão
de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela
decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo
plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º
da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da
quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão
exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma
situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como
consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos
limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º,
XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos
trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos
mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na
Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O
reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores
contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os
planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das
dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa
condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero
desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a
credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não
desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em
repercussão geral, da seguinte tese: “A transação extrajudicial que importa rescisão
do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de
dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto
do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do
acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos
celebrados com o empregado”. (grifamos) (RE 590415, Relator(a): Min. ROBERTO
BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-101 DIVULG 28-05-2015 PUBLIC
29-05-2015)

Na mesma toada, direitos à proteção de higiene, saúde e segurança dos trabalhadores não são objeto de negociação coletiva, já que se incluem entre os  direitos indisponíveis. Nesse sentido segue trecho do próprio julgado RE 590415:

(…) 25. Por fim, de acordo com o princípio da adequação setorial negociada, as regras autônomas juscoletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos trabalhadores, desde que não transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta. Embora, o critério definidor de quais sejam as parcelas de indisponibilidade absoluta seja vago, afirma-se que estão protegidos contra a negociação in pejus os direitos que correspondam a um “patamar civilizatório mínimo”, como a anotação da CTPS, o pagamento do salário mínimo, o repouso semanal remunerado, as normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, a liberdade de trabalho etc.16 Enquanto tal patamar civilizatório mínimo deveria ser preservado pela legislação heterônoma, os direitos que o excedem sujeitar-se-iam à negociação coletiva, que, justamente por isso, constituiria um valioso mecanismo de adequação das normas trabalhistas aos diferentes setores da economia e a diferenciadas conjunturas econômicas. (…)” (gn).