Direito do Trabalho deve buscar a prevalência da vontade das partes

Direito do Trabalho deve buscar a prevalência da vontade das partes

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Muito tem se falado sobre a legalidade da “pejotização” e a força do negociado sobre o legislado. De maneira simples, a “pejotização” é a contratação de pessoa jurídica (PJ) unipessoal para prestação de serviços, inclusive terceirizados. Já a prevalência do negociado sobre o legislado consiste na declaração de que a vontade das partes, refletidas em acordo ou na convenção coletiva de trabalho, prevalece sobre o que diz a lei.

Historicamente, a Justiça do Trabalho trata a “pejotização” como fraude. Ainda prevalece o entendimento de que, em vez de a empresa contratar a pessoa como empregada, a contrata como prestadora de serviços, por meio de sua empresa, para não arcar com os encargos trabalhistas. Como consequência da suposta fraude, os tribunais trabalhistas reconhecem o vínculo empregatício entre empresa, prestador de serviços e, por vezes, os terceirizados, com a condenação de pagamento das verbas trabalhistas e eventuais indenizações.

Apesar desse entendimento predominante na Justiça do Trabalho, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou um novo capítulo da discussão, afirmando que não há razão para invalidar a “pejotização” quando resultado da manifestação de vontade de pessoas conscientes dos direitos e deveres — principalmente por pessoas esclarecidas, como professores, músicos, médicos e outras categorias. Estes grupos, com nível superior e recebíveis mensais superiores ou igual a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (cerca de R$ 14,2 mil), possuem, inclusive, tratamento diferenciado pela lei trabalhista. Mas, para o STF, não seria sequer necessário o atendimento dos requisitos legais para considerá-los hipersuficientes, já que estaria presente a capacidade de discernimento desses profissionais quanto ao ajustado com a empresa.

Dessa forma, não havendo evidência de fraude ou isenção de vontade da parte em firmar contrato como PJ, não há que se invalidar tal modalidade. Diante disso, o Supremo decidiu que, se todo tipo de terceirização é lícita, toda forma de trabalho regular entre pessoas jurídicas distintas também é válida.

À Justiça do Trabalho cabe proteger os direitos de empregados, por serem estes, como regra, a parte mais fraca na relação trabalhista. Todavia, os prestadores de serviços que atuam por meio de suas empresas, também como regra, não são empregados, de forma que não deveria existir a necessidade premente de protegê-los, ou de tratá-los como se fossem hipossuficientes.

Como exemplo, existem categorias profissionais (médicos, professores, corretores de seguros) que recebem muitas dezenas de milhares de reais por mês, pessoas hipersuficientes na concepção do STF, que estão cientes das condições contratadas, não havendo a necessidade da proteção destinada ao empregado hipossuficiente.

Se declarada lícita a “pejotização” pelo Supremo, especialmente quando a relação envolve pessoas hipersuficientes, a Justiça do Trabalho não deveria decidir contra tal posicionamento. São pessoas que têm total discernimento das condições dos contratos firmados, se valendo das benesses (redução de impostos, autonomia e possibilidade de ganhos expressivos), aproveitando uma relação, em geral, muito mais vantajosa do que a empregatícia.

Após as decisões do STF, foi dado o primeiro passo para mudar o posicionamento histórico da Justiça do Trabalho, de reconhecer a “pejotização” como sinônimo de fraude. Recentemente, a 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao analisar recurso de empresa de seguros, afastou o reconhecimento de vínculo empregatício com corretora franqueada, que atuava como pessoa jurídica, típico caso de “pejotização”. O TST decidiu que o entendimento do Tribunal Regional — que havia reconhecido o vínculo de emprego entre a seguradora e a corretora de seguros unipessoal — contrariou a tese jurídica fixada pelo Supremo, com o julgamento do RE nº 958.252, no Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral do STF, de seguinte teor: “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas […]”.

O negociado sobre o legislado é válido porque as partes legitimamente negociaram e concordaram com condições que, no conjunto da obra, são-lhe favoráveis. Esse racional se aplica da mesma forma à “pejotização”. Se há interesse em seguir com o contrato entre PJs, estando tais pessoas inteiramente cientes das condições dos contratos, não há óbice para declaração de validade de tal relação jurídica.

É de se esperar que as recentes decisões do STF sirvam de incentivo para que a Justiça do Trabalho possa rever seu posicionamento. Há de se analisar se houve vício de vontade entre os contratantes. Se sim, deve existir uma análise aprofundada sobre a existência de vínculo de emprego. Se não, não há qualquer razão jurídica para que se declare a existência do vínculo empregatício, em arrepio à autonomia de vontade entre as partes.

Vivian Simões Falcão Alvim de Oliveira Almeida é advogada sênior Mattos Filho e especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).
Rafael Caetano de Oliveira é sócio do Mattos Filho e especialista em Processo Civil e em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Revista Consultor Jurídico, 25 de janeiro de 2023, 6h40