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Muito embora, em seminário internacional [1] ocorrido neste ano, o ministro Alexandre de Moraes tenha apresentado o reconhecimento da fundamentalidade dos direitos sociais como uma “novidade”, fato é que tal reconhecimento é antiquíssimo, no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal (STF).
Faz-me lembrar da discussão travada, em agravo regimental, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.153, entre os ministros Carlos Mário Velloso (aposentado), Sepúlveda Pertence (falecido) e Carlos Ayres Britto (aposentado), onde este último consignou:
“Os direitos sociais, embora não clausulados de pétreos, são pétreos; eles são implicitamente pétreos, não explicitamente” [2].
Isso porque, embora a literalidade do inciso IV do § 4º do artigo 60 da Constituição da República registre “direitos e garantias individuais”, reportando-se, aparentemente, apenas ao Capítulo I do Título I, excluindo os direitos sociais, previstos no Capítulo II, trata-se apenas de dimensões dos direitos fundamentais, com os direitos individuais compondo a primeira dimensão e os direitos sociais, a segunda.
E, entre os direitos sociais, pétreos e de aplicação (não aplicabilidade) imediata [3], previstos na Constituição da República, encontra-se a proteção à relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, “nos termos de lei complementar”, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos [4].
Aqui já há uma teratologia, em face de mais de trinta anos de omissão legislativa, até porque, como cirurgicamente explicitou Michel Temer, a Constituição da República conferiu “eficácia plena a todos os preceitos constitucionais em face da previsão do controle da inconstitucionalidade por omissão” [5].
Porém, ainda segundo a Constituição da República, até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o artigo 7º, I, fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto [6].
Ao interpretar esta disposição normativa, o STF fixou a seguinte norma, vazada no Tema nº 497 da repercussão geral: “A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa” [7].
Mas vejam. A discussão, no âmbito do STF, foi tão somente em definir o sentido e o alcance da expressão “confirmação da gravidez”, isto é, se a proteção constitucional exigiria apenas a presença do requisito biológico (a gravidez) ou se seria necessário o prévio conhecimento ou comprovação da gravidez no momento da dispensa. Esta foi a controvérsia, unicamente.
Tanto que o relator originário, ministro Marco Aurélio (aposentado), único vencido, votou no sentido de ser impertinente o elastecimento do conteúdo da locução “confirmação da gravidez” para abarcar o instante da concepção, pois impor a garantia ao emprego, independentemente da ciência pelo empregador do estado gravídico, seria “puni-lo” financeiramente sem o concurso de culpa ou dolo.
Segundo o restante da Corte, liderada pela divergência instaurada pelo ministro Alexandre de Moraes, redator do acórdão, a proteção constitucional exige apenas a presença do requisito biológico (gravidez preexistente), independentemente de prévio conhecimento do empregador ou de comprovação do estado gravídico perante este.
Porém, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) passou a restringir o sentido e o alcance do artigo 10, II, “b”, do ADCT, limitando-o às dispensas arbitrárias ou sem justa causa, retirando do seu manto protetor, por exemplo, as mulheres gestantes contratadas por prazo determinado [8] ou aquelas arregimentadas para o trabalho temporário [9].
Tanto que superou o entendimento já consagrado, no mínimo desde 2012 [10], de que “A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea ‘b’, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado” [11].
O TST chegou a afirmar, expressamente, que a sua jurisprudência foi superada em razão do Tema nº 497, que seria “de clareza ofuscante” [12] quando elegeu como pressupostos para a garantia de emprego a anterioridade do fator biológico da gravidez à terminação do contrato e a dispensa sem justa causa, ou seja, afastando a estabilidade das outras formas de terminação do contrato de trabalho.
Tal entendimento do TST — contrário ao que decidiu o STF no Tema nº 497 — chegou ao seu ápice com a tese fixada no Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 2, na qual o Tribunal Pleno do TST firmou entendimento de que “É inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei nº 6.019/1974, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, ‘b’, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” [13].
Felizmente, o STF acaba de fixar a tese jurídica em outro recurso extraordinário, com repercussão geral, no mérito, e, acredito, afastará de vez o equívoco engendrado pelo TST.
Segundo tese de repercussão geral fixada no recém-julgado Tema nº 542 [14], “A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicado, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado” [15].
Conforme o STF, no tema em questão, as garantias constitucionais de proteção à gestante e à criança devem prevalecer independentemente da natureza do vínculo empregatício, do prazo do contrato de trabalho ou da sua forma de provimento.
Ainda segundo o STF, “não deve ser admitida nenhuma diferenciação artificial entre trabalhadoras da esfera pública e da privada, seja qual for o contrato em questão. Pensar de modo diverso, a seu ver, seria admitir que a servidora contratada a título precário jamais contaria com a tranquilidade e segurança para exercer a maternidade e estaria à mercê do desejo unilateral do patrão”.
Assim, revelada a verdade do Tema nº 497, pelas vias do Tema nº 542, espera-se que o TST, com a urgência que o caso requer — pois se trata de proteção à maternidade e ao nascituro —, corrija a tese fixada no IAC nº 2 e volte a aplicar o que já estava consagrado há, pelo menos, uma década, na sua jurisprudência uniforme, nos termos do item III da Súmula nº 244 do TST.
Todas as mulheres grávidas têm direito à garantia de emprego inerente, na forma do artigo 10, II, “b”, do ADCT, sejam elas admitidas por regime jurídico-administrativo ou contratadas pela CLT, estejam na esfera pública ou privada, contratadas ou admitidas para vínculo temporário, permanente ou precário, por prazo determinado ou indeterminado.